Sistema Financeiro do Brasil Pode Ser Afetado por Tarifas de 50%, Diz Moody’s

Apesar da baixa exposição dos bancos brasileiros ao setor exportador, a convergência de determinados fatores econômicos pode pressionar a rentabilidade das instituições financeiras, elevando os riscos para o sistema como um todo.

Carlos ABM

7/26/20254 min read

Desde o anúncio de Donald Trump sobre a imposição de uma tarifa de 50% para todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos — com previsão de vigência a partir de 1º de agosto — o cenário comercial entre os dois países mergulhou em incertezas. Setores que antes mostravam estabilidade ou crescimento agora enfrentam um ambiente de retração e preocupação. A principal inquietação recai sobre a perda de competitividade das exportações brasileiras, especialmente em mercados onde o Brasil tem presença relevante, como café, carne bovina, suco de laranja, aço, papel e celulose. A substituição desses produtos por concorrentes internacionais é uma possibilidade real, e isso ameaça diretamente a participação do Brasil no mercado americano, podendo prejudicar significativamente a balança comercial do país.

A importância dos Estados Unidos para o comércio exterior do Brasil é inegável: trata-se do segundo maior parceiro comercial tanto em exportações quanto em importações. Em 2024, os EUA responderam por 12% das vendas externas brasileiras, o equivalente a 2% do PIB. Produtos como ferro, aço e aeronaves lideram a pauta de exportações. Empresas como a Embraer, que depende fortemente do mercado americano para gerar receita, e gigantes do setor de sucos como Sucocítrico Cutrale e Citrosuco, que dominam a produção global, estão entre as mais vulneráveis ao novo cenário tarifário. A perda de espaço nos EUA poderia comprometer seus resultados operacionais e forçar uma reestruturação comercial em tempo recorde, elevando ainda mais a tensão no setor.

Entretanto, a intensidade do impacto varia conforme o segmento. No setor de celulose, a Suzano, apesar de destinar 17% de sua receita aos EUA, mantém a China como seu maior mercado consumidor, o que pode atenuar os danos. O mesmo vale para o setor de carnes: enquanto os EUA foram destino de apenas 6% das exportações brasileiras de carne bovina entre 2022 e 2024, a China respondeu por impressionantes 67%. Empresas como JBS e Marfrig, com operações sólidas dentro do território americano, poderiam até se beneficiar da nova tarifa, ganhando competitividade interna nos Estados Unidos ao utilizar estruturas já consolidadas, o que amenizaria a perda de mercado de suas matrizes brasileiras.

Mas o que passa despercebido por muitos é o impacto indireto sobre o sistema financeiro brasileiro. Embora os bancos nacionais tenham baixa exposição direta a empresas exportadoras, uma possível combinação de fatores negativos — como retração nas exportações, desaceleração da economia e redução das margens de lucro das empresas — pode comprometer a rentabilidade das instituições financeiras. Segundo a agência de classificação de risco Moody’s, esse cenário pode levar a uma deterioração dos ativos bancários e forçar os bancos a adotarem posturas mais conservadoras, afetando diretamente o volume de crédito no país e aumentando a percepção de risco nos mercados financeiros internos.

Com as tarifas ainda em 10%, a Amcham já identificou queda nas exportações em diversos setores: celulose (-14,9%), motores (-7,6%), máquinas e equipamentos (-23,6%), manufaturas de madeira (-14%) e autopeças (-5,6%). Se o percentual saltar para 50%, a expectativa é de um agravamento ainda mais acentuado. A cadeia produtiva será pressionada, e as empresas afetadas tenderão a cortar investimentos, demitir e frear a produção. Isso gera um ciclo de retração econômica que retroalimenta o pessimismo nos mercados e afeta diretamente a capacidade dos bancos de manterem suas operações lucrativas. O risco sistêmico aumenta e a aversão ao crédito se torna mais evidente, principalmente em setores diretamente impactados pela política tarifária americana.

Nesse contexto, os bancos devem se tornar mais rigorosos na concessão de crédito, principalmente para segmentos como o de aviação e sucos, que estão entre os mais expostos. A combinação entre aumento do risco, retração nas receitas empresariais e ambiente macroeconômico incerto tende a reduzir o apetite por financiamentos. A queda no volume de crédito não acontece apenas pela cautela dos bancos, mas também pela própria postura das empresas, que passam a evitar novas dívidas em um cenário de incertezas e baixa previsibilidade. Esse movimento em cadeia pode comprometer ainda mais a estabilidade do sistema financeiro, já pressionado por juros elevados e menor demanda por consumo e investimento.

Somado a isso, a política monetária brasileira se mantém rígida. Com a Selic em 15%, a tendência é de manutenção dos juros em patamar elevado por mais tempo. Essa medida, embora necessária para controlar a inflação, impõe um custo elevado ao crédito, desincentiva o consumo e penaliza o setor produtivo. Para a Moody’s, esse conjunto de fatores — política monetária restritiva, retração comercial e aumento da inadimplência — contribui diretamente para a piora da qualidade dos ativos bancários, o que pode colocar em xeque a solidez de instituições menos capitalizadas e com maior exposição a riscos setoriais.

O cenário é ainda mais delicado quando se observa o endividamento das famílias brasileiras, que atingiu 49% em abril de 2025. A inadimplência, medida por empréstimos vencidos há mais de 90 dias, chegou a 3,5% em maio — o maior índice em cinco anos. Com consumidores endividados e inadimplentes, os bancos intensificam sua postura conservadora e limitam o crédito ao consumo, o que acaba retraindo ainda mais a economia. A queda do consumo, somada à redução nos investimentos produtivos, fecha o cerco sobre o sistema bancário, que enfrenta margens de lucro mais apertadas e maior exposição ao risco de crédito.

Apesar dos desafios, a exposição direta dos bancos brasileiros ao crédito voltado às exportações é relativamente limitada. Segundo a Moody’s, o Banco do Brasil, por exemplo, teria impacto mínimo com a nova tarifa. Em março de 2025, apenas 2,9% de sua carteira de crédito rural — que totalizava R\$ 366 bilhões — era destinada a produtores de café, e apenas 0,3% a produtores de celulose. Já os financiamentos ao setor de carne bovina representavam 17% da carteira agrícola, mas a baixa dependência desse segmento do mercado americano mitiga os impactos diretos. Ainda assim, o efeito indireto da deterioração da economia global pode ser suficiente para pressionar o sistema bancário nacional como um todo.